quinta-feira, 9 de abril de 2009

Os primeiros tempos da comunidade católica de Linha Francesa

Novamente nosso amigo Benno nos surpreende com mais um resultado incrível de suas pesquisas, desta vez ele me enviou por e-mail o texto abaixo, que foi escrito por um agricultor chamado Guido Bourscheid, morador de Linha Francesa. 
No texto encontrei informações interessantes sobre a época, construção da igreja local e claro sobre os nossos antepassados que tiveram participação na história local.

Agradeço ao Sr. Benno Lermen por continuar nos ajudando com as pesquisas.

Os primeiros tempos da comunidade católica de Linha Francesa

Frente a esta necessidade reuniram-se seis homens convictos e perseverantes, formando uma comissão que partiu para São José do Hortêncio (Portugieserschneis), que na época era sede paroquial de Linha Francesa, no intuito de pleitear junto ao Padre Michael Kellner e Padre Agostinho Sedlak a necessidade da criação de uma comunidade com uma Igreja e escola maiores para acomodar os moradores. Os padres foram incumbidos de levar a solicitação até o bispo Dom Sebastião Laranjeiras, em Porto Alegre. Esta comissão era formada pelos seguintes membros; Georg Bieger, Cristof Lunkes, Martin Bourscheid, Jochan Schmatz, Nikla Wilgenn, Adolf Kercher. Tendo em vista a boa receptividade dos sacerdotes, o pedido foi, prontamente, encaminhado ao bispo, contanto que a comissão se comprometesse a permanecer com a língua alemã. Solicitação essa, feita pelos padres Kellner e Sedlak. Assim, a comissão retomou feliz e esperançosa na concretização de sua solicitação. 

A criação de uma comunidade não foi algo tão simples, levando em consideração que havia vários cemitérios espalhados nas pro­ximidades. Citando alguns: próximo ã escola do Bambusberg, nas terras do imigrante Martin Bourscheid, um nas terras de Celestino Werner, um na Linha Wílmsen6. Após longas discussões, acabou se decidindo pelas terras do imigrante Deodoro Bourscheid, irmão de Martin, levando em consideração que o galpão do imigrante7 e a escola se localizavam em suas terras, O bispo, posto a par da situ­ação, recorreu junto ao império à doação de 12 hectares de terras, próximos ao galpão e à escola que também servira de igreja. Tendo posição favorável do Império, o processo de criação da comunidade pôde ser iniciado. 

Alguns meses depois, em principio de setembro de 1863, o bispo Com Sebastião Laranjeiras, envia como representante seu, o Padre Michel Kellner para visitar em missão a colónia de Winterschneis e a colónia de Montravel (também conhecida como colonia de Nossa Senhora da Soledade). Nesta ocasião é oficializada a criação da comunidade Linha Francesa.

Na mesma ocasião, o Padre Kellner convocou todos os moradores da região a se fazerem presentes para uma reunião no Galpão do Imigrante. Era dia 08 de setembro de 1863. A pauta da reunião era sucinta e pontual. Foi colocado pelo padre que a escolha das terras não teve nenhuma influência de moradores a fim de não gerar conflitos. Para isto foi solicitada a doação das terras ao Governo Imperial. Após algumas alterações de ânimos, a calma reinou na reunião e todos acabaram acatando com a decisão do bispo. Na ocasião também foi decidido e oficializado o terreno para a construção da escola, da igreja e da casa da comunidade. Ainda na mesma reunião foi eleita a primeira diretoria, bem como a padroeira da comunidade. Em relação à padroeira, o Padre Kellner sugeriu que fosse Nossa Senhora da Natividade, já que o dia dedicado a ela é 08 de setembro (data da reunião). Alguns moradores sugeriram Nossa Senhora da Soledade, padroeira dos imigrantes. Feita a votação, venceu a sugestão do sacerdote e a padroeira ficou Nossa Senhora da Natividade, honrada até hoje na paroquia corn o mesmo nome, situada no mesmo local decidido nesta reunião, em 1863.

6 Onde atualmenle se localizam os aviários Stein

7  Galpão onde se abrigavam os imigrantes que chegavam até Linha Francesa e arredores até construírem um lar improvisado no seu lote de terras. Esse galpão foi desfeito após o término da imigração.

A diretoria, eleita nessa reunião, teve como membros Heinrich Bennemann, como presidente (fabriqueiro), Martin Bourscheid, Nickla Wilgen, Filip Joseph Habitzreuter, Benart Leehne e Peter Guth. Creio ser importante para os leitores, relatar as pessoas que se fizeram presentes nesta reunião, visto que todos os presentes eram imigrantes alemães. Seus descendentes provavelmente ainda residem na circunvizinhança de Linha Francesa. Abaixo vai a re­lação na integra:

- Adolf Kercher              - Ludwig Paulvelz

-Teodoro Bourscheid             - Johann Engelmann

-Peter Guth                           - Sebastian Bohn

-Heinrich Bennemann           - Adam Erthal

-Miguel Fussinger                 - Peter Panlus

-Tomas Eberth                      - Amandius Hammerding
-Amadeus Schãfer                - Alberto Riffel

-Peter Fussinger                   - Johann Peter Striedcr

-Miguel Fussinger Filho       - Johann Wenning

-Johann Schmatz                  - luí Maximilianus

-Professor Georg Bieger      - Justus Groth

-Jacob Erthal                         - Martin Bourscheid

-João Dierings                        - Peter Antes
-Johann Pilzer                       
- Mathias Muller

-Hermann Hunnoff               - Johann Schmenker

-Nikla Wilgen                       - Constantin Heinzmann

-Jacob Kemper                      - Wilhelm Meier

-Cari Eugenius Arthus          - Cristow Lunkes

-Peter Puni                         

Vale lembrar que estes foram os que assinaram a ata da reunião. Acredita-se que havia mais pessoas presentes que não assinaram a ata.

Como toda e qualquer decisão precisava da aprovação da maioria dos moradores e o aval do representante do bispo, ainda no ano de 1863 foi iniciada a obra de fundação da comunidade, iniciando com a construção da igreja. Porém, antes de qualquer coisa, era necessário derrubar o mato. Com a união dos moradores, em pouco tempo o terreno estava pronto para as construções. Havia, no entanto, um fator que dificultava bastante o inicio das obras. Eram os enormes tocos de árvores e as pedras.

Com muito sacrifício, os restos de troncos foram removidos e as pedras furadas. Sobre as pedras, é possível ainda hoje, ver as sobras de pedra lascada na lateral esquerda da igreja. Tudo era muito mais sacrificante, levando em consideração as ferramentas escassas c a tecnologia não muito moderna, mas nada superava a boa vontade dos moradores. Assim, aos poucos, foi surgindo o fundamento do prédio que viria a ser a igreja Nossa Senhora da Natividade. Vale lembrar que a igreja foi construída com pedras naturais, catadas nos arredores da construção, numa enorme rocha que foi desfragmentada, facilitando em muito a junção das pedras. Toda areia consumida foi trazida de Santa Terezinha, Bom Principio, no lombo de cavalos, assim como os demais materiais necessários para a edificação do prédio. Para quem conhece esse trajeto sabe o quanto é íngreme e difícil a subida do morro. Não é raro ver ônibus e caminhões su­bindo em marcha lenta, devido sua inclinação. Imaginemos pois,

quão sofrido deveria ser para os animais e moradores essa jornada. Cada pedra era encaixada perfeitamente, a fim de não haver risco de a construção ser comprometida. A madeira foi selecionada no mato e cunhada de modo que se transformasse em peças de perfeito encaixe.

A torre foi edificada em madeira, com cobertura de zinco e bem ao alto, posava um galo de cobre que ainda hoje é possível ser visto, não no alto da torre mas no jardim da casa paroquial. O forro interior foi construído com fibras de palmeira, taquaras e cipós, minuciosamente selecionadas a fim de formarem uma bela e retilínea tela. Depois de acertado o formato básico, foi feita a cobertura com fibras de capim e argila muito bem amassada. Por fim, aplicou-se uma camada de argila, areia, cal virgem, cimento e, pasmem, geléia de cacto, for­mando uma liga maleável e resistente, tão resistente que está lá ate hoje durando mais de 140 anos.

A descrição do processo construtivo da Igreja Nossa Senhora da Natividade nos faz refletir o sacrifício de muitas pessoas no intuito de terem um bem comum. Um lugar de referência onde pudessem se reunir e celebrar a vida e a religiosidade. Em tempos contemporâne­os, onde o que vale é o cada um por si e Deus por todos é importante pararmos para reflelir sobre as lições que nossos antepassados nos ensinaram e que acabamos esquecendo ao longo das gerações.

Com a ideia de que a união faz a força a igreja foi edificada com pouca ajuda do governo e muito suor e o máximo de dinheiro dos moradores. A arrecadação do dinheiro ficou a encargo de Georg Bieger e Johann Schmartz que coletaram juntos 122.520 réis e Martin Bourscheid e Níkla Wilgenn, que coletaram 100.520 réis. Heinrich Niestegen era o construtor responsável e Joseph Kemper, auxiliar permanente. Foram trabalhados de graça um total de l .280 dias e 700 pagos.

Com a visível evolução das obras, despertou nos moradores a vontade de tornar o templo bem bonito e ornado. Para isso se fazia necessária à aquisição dos objetos básicos para celebração da santa missa e os demais utensílios de ornamentação. Para que isso se tomasse viável a comunidade foi, mais uma vez, convidada a se mobilizar. E não faltaram contribuintes. Abaixo vai uma relação de que se tem conhecimento, de imigrantes que deram sua contribuição ao longo da construção da igreja. Mais urna vez ressalto da impor­tância de citar nomes para que pessoas moradoras ou oriundas dessa região possam se identificar com o sobrenome: 

Magdalena Künzel - um pequeno sino colocado na primeira torre e -mais tarde doado para   

Linha Francesa Baixa, quatro paramentos, uma toalha para o altar e o quadro de Maria

Geburth    (Nossa Senhora da Natividade).

Johann Schmartz - uma toalha e um crucifixo para o altar.

Michel Fussinger - um tabernáculo antigo e de madeira.

Heinrich Bennemann - uma bandeira preta.

Heinrích Bennemann e Joseph Kemper - o confessionário.

A esposa de Cornélios Hammerding doou uma bandeira branca.

Família Grest - uma bandeira azul.

Sebastian Bohn, Armandus Schaefer e Thomas Ebert - uma ban­deira vermelha.

Michael Fussinger - 5.000 réis para comprar zinco para a torre.

Heinrich Engelmann - 10,000 réis para pintura da torre.

Jacob Engelmann - 4.000 réis para uma pintura especial da ponta da torre.

Heinrich Bennemann - 4.000 réis para aquisição de bleiveiss (Massa para afixar vidros).

Johann Schmatz e Georg Bieger - 8 litros de óleo para pintura.

Michel Fussinger- 3.000 réis para mão-de-obra.

Joseph Kemper, Karl Philiph Erthal, Rochus Erthal e Peter Guth - os utensílios necessários

para os atos fúnebres e enterros.

Sebastião Bohn e Johann Schmatz - a pedra do altar onde é feita a consagração do pão e

vinho.

Heinrich Schaefer - um cálice.

Johann Schmatz, Peter Auth e Martin Bourscheid - cómoda com gavetas para a sacristia.

Magdalena Kiinzel - uma sineta colocada na entrada da sacris­tia. 

Heinrich Bennemann e seu filho Hubert (ainda adolescente) deram o altar para o primeiro templo (igreja). Hubert era conhecido como Meermann¹, por ter nascido no mar ao vir pro Brasil, O altar era todo de cedro e trabalhado a mão.

  Passados sete anos do início das obras, banhados com suor, sangue e sofrimento, os primeiros moradores de Linha Francesa e arredores puderam louvar e bendizer a Deus em seu primeiro templo e pedir a intercessão de Nossa Senhora da Natividade. Isto em 1870, Claro que a igreja ainda não estava pronta. Era apenas uma construção coberta de telhas de madeira, mas já podia ser usada como local de celebração quando vinha o padre. Em 1876, finalmente, a constru­ção estava apta para a celebração da santa missa, catequese, cultos e reuniões. Descrevem os moradores a igreja da seguinte maneira: "é uma maravilhosa obra com pedra natural onde um lindo galo de cobre chama o povo através de um pequeno sino para a celebração a Deus e ã Nossa Senhora da Natividade." Neste mesmo ano foi inaugurada oficialmente a Igreja de Linha Francesa.

Com o término das obras da igreja, iniciou-se a construção de uma casa para a comunidade (também nos moldes antigos) a fim de servir de moradia para o professor e paradeiro dos padres que vinham celebrar a missa. Esta casa permaneceu até a década de 1950, quando foi substituída pela atual casa paroquial.

 ¹ O Homem do Mar